Eu realmente não queria
ajudá-la com aquele maldito Ritual, até mesmo me preparei para dizer a ela,
juro que me preparei, mas sentado de frente para seu esbelto e definido corpo
como eu estava, não pude evitar perceber como sua saia marcava em seu estreito
quadril, expondo muito de suas pernas que eram cobertas por uma bota preta a
partir do joelho, e é claro que ela estava matadora, Afrodite sempre clamou a
aparência em primeiro lugar, não importa
em quais situações difíceis estejamos o importante é se estamos bonitas para
resolvê-las dizia ela praticamente todos os dias, quando eu costumava
reclamar de suas demoras em frente ao espelho.
Notei também como ela puxou
a saia para cima para parecer ainda mais curta, mais até do que a última em vez
que a vi, provavelmente ela fez de propósito, e devo dizer que funcionou, suas
pernas ficaram fantásticas com aquela saia. Ela me fez lembrar todas as vezes
que eu e Afrodite... Bem eu não podia pensar naquilo agora.
Procurando desesperadamente
algo em que me focar, que não fossem suas pernas ou seios, fiquei surpreso em
encontrar seus olhos. Ela me olhava de um jeito malicioso, como se soubesse
exatamente o que se passava na minha mente, mas eu não me importei, continuei
concentrando minhas energias em seus olhos, os lindos olhos verdes de Afrodite.
Algo como um balde de água
fria na minha espinha de repente me fez congelar, quebrando o encanto sombrio
que Afrodite me lançava.
Afrodite não tinha olhos
verdes! Muito longe disso, eles eram de um limpo e claro azul, que se destacava
dos demais que às vezes eram apagados e sem brilho. Mas então por que eu havia
imaginado olhos verdes em Afrodite? Onde eu os havia visto antes?
Realmente a mistura havia ficado
tremendamente ridícula. Aqueles olhos em Afrodite ficavam disformes e
deslocados, mas eu não conseguia parar de imaginá-los, como se eu buscasse desesperadamente
ver algo ou alguém que eu não pudesse conseguir naquele momento e colocá-la no
lugar de Afrodite.
Foi por isso que eu acabei
criando forças para realmente confrontar Afrodite (daqui em diante eu passaria
a respeitar devidamente minha imaginação maluca) e dizer:
- Você por acaso não tem
outro grupinho de bajuladores ou cachorrinhos que farão suas vontades assim que
estalar seus dedos?
Ela revirou tanto seus
olhos, que por um momento eu achei que eles fossem pular para fora.
-Não, Erik, eu não tenho
cachorrinhos que fazem tudo que eu quero, eu tenho vocês, um bando de babacas
que ficam aí parados enquanto há muitas coisas a serem feitas. Ou pensam que eu
e as meninas poderemos carregar todas aquelas coisas pesadas do Templo? –
perguntou indignada – E ainda cobrir tudo a tempo de nos vestirmos e estarmos
no horário certo para o Ritual e...
-OK, certo, tudo bem! – eu
praticamente berrei de impaciência. Ela apenas me olhou de forma chocada.
– Tudo bem. – disse num tom
normal – Nós vamos ajudá-la.
- Mas precisamos comer
primeiro! – Disse Cole. Eu até havia esquecido que ele estava lá.
- Não seja idiota seu
estúpido! – exclamou Afrodite – nós teremos comida depois do Ritual, ou será
que esqueceram? Será que preciso pensar em tudo? Estamos perdendo tempo aqui
discutindo – bateu seu dedo indicador no pulso, como se houvesse um relógio
imaginário ali. Como ninguém se moveu ela revirou os olhos novamente e com
ainda mais impaciência disse – vamos antes que o intervalo do almoço termine!
Como um bando de chiuauas de
bolsa rabugentos (pelo menos era assim que eu me sentia), nós seguimos Afrodite
para o Templo de Nyx, deixando para trás o delicioso almoço e meu bom humor.
Não demorou muito para
chegarmos à linda estátua de Nyx que ficava a alguns metros do Templo, e embora
eu a tivesse visto incontáveis vezes, nunca deixava de ficar abismado com sua
beleza. Ela tinha um padrão diferente de todas as estátuas que eu um dia já
havia visto, e admito foram muitas, afinal de contas minha mãe costumava passar
horas, sentada em seu atelier, com suas mãos sujas de lama ou gesso, moldando e
remodelando caricaturas, até que ficassem perfeitas aos seus olhos. Eu as
adorava, lembro-me perfeitamente de me sentar em seu colo, quando era pequeno,
para poder me juntar a ela na obra. Mas elas sempre acabavam em caretas, com
grandes narizes e olhos esbugalhados. Ríamos e brincávamos o tempo todo.
Aquela magnífica visão da
deusa, sentada sobre a cristalina água da fonte, com seus cabelos ao vento,
mesmo feitos de pedra pareciam movimentar-se, jazendo uma delicada lua
crescente em suas mãos, me fizeram sentir muito vazio. As memórias de minha
vida antes e depois de ser Marcado encheram e conturbaram minha mente.
Vi meu pai atirado e imóvel
em um canto da rua, enquanto não conseguia mais reunir forças para levantar,
por causa de toda a porcaria da bebida que havia ingerido.
Vi minha mãe gritando
desesperada por ajuda.
Vi também o momento em que o
Vampiro Rastreador apareceu misteriosamente na minha frente e disse as
temerosas palavras que mudaram minha vida.
Por sorte nenhum dos meus
amigos ou Afrodite perceberam o tamanho da minha tristeza, e firmemente segui
andando, de cabeça erguida. Seja o que minha vida havia se tornado ali na House
of Night, com certeza era bem melhor do que o inferno alcoólico no qual eu
vivia.
-... E poderemos ver toda a
maratona do Star Wars que queríamos ver final de semana passado, o que acha
Erik? – Estava dizendo Drew. E com um susto percebi que todos estavam falando
há um tempinho. Eles me olhavam com expectativa.
- Desculpe Drew, sobre o que
estavam falando mesmo? – perguntei.
- Hello, Terra para Erik.
Estava viajando de novo? – disse Cole com um risinho. Mas ninguém prestou
atenção nele.
- Nós estávamos discutindo
sobre a maratona de Star Wars que não pudemos assistir na semana passada, e que
veremos quando a sala estiver desocupada. – respondeu Drew.
- Maratona de Star Wars? –
perguntei sorrindo. Subitamente meu mau humor desapareceu. – Claro, dou tudo
por uma maratona Star Wars! Quando vamos assistir, amanhã?
- Não sabemos – respondeu
Thor – a gente depende da presença de todas as pessoas que irão. Como disse
antes, na semana passada o tosco do TJ não pôde ir, lembra? Ele tinha que
treinar para a competição.
- Ei! – retrucou TJ – não me
culpem por isso.
- Ah, me lembro sim. Mas eu
acho que agora todos nós poderemos assistir.
- Sim, é o que parece –
respondeu Thor.
Encerramos a conversa assim
que vimos a cara ranzinza de Afrodite, que logo explodiu em uma risada
sarcástica e terrível.
- Deixem-me adivinhar
quantas malditas vezes vocês assistiram essa maratona Star Wars? Pelo menos 20?
30? Estou perto? – disse zombeteira. E eu dava graças à deusa por tê-la
largado.
- Há! Engraçadinha você
Afrodite – retrucou Cole – e não foram 20 ou 30 vezes, acredito que não
chegaram nem à dez.
- Hã, acho que eu já passei
de dez, pessoal – disse meio sem graça. Afrodite bufou.
- Nossa! Vocês são um bando
de nerds! Não existe qualquer outro melhor programa no planeta?
- Devo dizer que comparado a
Star Wars não, definitivamente não. – disse Thor.
- Repito. Bando de nerds!
Ugh. Não contem com a minha presença ou de qualquer espécime do sexo feminino
nessa bela seção de guerras no espaço! – disse fingindo entusiasmo.
- O correto seria guerra nas
estrelas, mas você está certa, com certeza já sabíamos que você não gastaria
seu precioso tempo assistindo qualquer programa “nerd” com a gente. – disse
Drew respondendo do mesmo jeito sarcástico, fazendo aspas com as mãos na
palavra nerd. Como se realmente tivéssemos pensado em convidar Afrodite.
Se ela entendeu o que Drew
realmente quis dizer não demonstrou, apenas jogou os cabelos para trás de um
modo superior e voltou a andar. O que nos fez parar de falar em Star Wars perto
de Afrodite, na verdade paramos de falar totalmente, ela conseguia estragar
qualquer assunto.
O clima estava leve enquanto
carregávamos as mesas de jogos do enorme salão para um canto. Como estávamos de
cinco pessoas para carregar as mesas, nos separamos em duas duplas, eu e Drew
carregávamos as mesas de sinuca, e TJ e Cole as demais (que eram as mais leves,
mas fazer o que se perdemos no discordar?!) Thor cobria as mesas alinhadas com
o pano preto. Afrodite dava as ordens para que tudo estivesse perfeito.
Mas conforme as mesas eram
apagadas pelo fosco do tecido, mais aquilo me lembrava um mausoléu, cheio de
preto e mais preto e mais preto e mais preto. Por mais que eu dissesse a
palavra mais, ela não era suficiente, aquilo estava muito preto, tanto que eu
não consegui enxergar até que, tranquilamente, Enyo e Deino acendiam as velas
que iluminariam o Ritual.
Quando finalmente terminamos
de arrumar o local, nos sentamos pesadamente no chão, esgotados, mas ainda
rindo e combinando os últimos detalhes para a maratona Star Wars.
- Afrodite, ainda vai precisar
da gente? – perguntou Cole.
- É, podemos voltar para a
aula agora? – completou TJ.
- Claro, claro. Podem voltar
sim. Acho que não preciso mais do trabalho de vocês. – então ela fez uma pausa,
pensativa – Menos você Erik, eu quero dar uma palavrinha com você a sós.
Ela nem ao menos esperou
minha resposta, simplesmente se virou e começou a andar na direção de uma
salinha ali perto, onde ficava a comida que seria servida mais tarde. Foi minha
vez de revirar os olhos.
- Fazer o que, vou ter que
ir pessoal, vejo vocês mais tarde então.
- OK, a gente se vê –
respondeu TJ. Cole e Thor me olhavam com um pouco de pena, mas concordaram em
ir. Drew foi o único que exitou.
- Você vai ficar legal? –
perguntou.
- Claro, não deve ser nada
demais. E eu não vou cair em qualquer armadilha que ela esteja bolando dessa
vez. – respondi com firmeza.
- Tudo bem, boa sorte. – e
com isso ele saiu.
Com um grande suspiro fui na
mesma direção de Afrodite, encontrando-a de frente para a geladeira pegando sua
vitamina de sempre. Quando ela me viu deu um grande sorriso.
- O que quer Afrodite? –
disse rispidamente.
- Nossa, não precisa ser tão
mal educado. Só quero conversar.
- Olha Afrodite, eu acho que
já lhe disse que não... – mas ela me interrompeu.
- Não é nada disso seu
estúpido, eu quero falar sobre a garota nova. – isso despertou meu interesse.
- Garota nova?
- É, essa tal de Zoey
Redbird. Parece que ela tem essa estranha Marca e é a nova aluninha favorita de
Neferet e blá, blá, blá. – a sua inveja era palpável.
- Não entendo, onde quer
chegar? – mesmo sabendo a resposta não me contive em perguntar.
- Então, eu a convidei para
o Ritual. Mas não sei se ela vem.
- Oh, é mesmo? – fingi
surpresa. – e por que acha isso?
- Talvez ela seja uma idiota
como a nova coleguinha de quarto dela.
- Não fale assim Afrodite,
você mal a conhece. – estava me referindo à Zoey, mas Afrodite achou que eu
falava de Stevie Rae.
- Claro que eu a conheço, ou
bem... O suficiente pra saber o nível em que ela está. – Lembrei-me na hora do
que ela falava.
- Você não vai forçá-la a
ser sua geladeira novamente vai? – perguntei desconfiado.
- É claro que não! Enyo
arrumou um novo lanchinho pra gente.
- E posso saber quem é? –
perguntei preocupado.
- Claro, é aquele perdedor
do Elliot. Juro que até sinto nojo de tomar o sangue dele e... – eu a
interrompi.
- Espera, você disse que
Zoey vai estar aqui mais tarde...
- Eu disse talvez – repetiu.
- Ok, talvez ela esteja
aqui, que seja. Mas se ela vier, não dará sangue para ela não é?
- Ora não seja estúpido, é
claro que não vou dar sangue à ela, ao menos não se ela não quiser. Eu vou
perguntar a ela mais tarde.
- Tudo bem, assim é melhor.
- O que foi Erik, está todo
preocupado com a novata por quê?
- Nada, é que eu sei o quão
ruim é ter de tomar sangue no primeiro Ritual. – tentei justificar.
- Tudo bem, então não
precisa mais se preocupar com isso, como já disse. Eu vou perguntar à ela.
- Tudo bem – repeti. – acho
que vou indo, se era sobre isso que queria falar comigo.
- Bem, também pensei em
outras coisas... – disse se aproximando lentamente, passando suas unhas em meu
peito, a sensação me enviou calafrios. Mas rapidamente retirei suas mãos de
perto de mim.
- Acho que agora não é hora
pra isso Afrodite, eu tenho que voltar pra aula. – Seu sorrisinho virou uma
carranca.
- Certo Erik, volte para a
droga da sua aula. – com isso ela saiu da sala. Jurei ter visto fumacinhas saindo de suas orelhas. O pensamento me fez rir como um idiota.